Eleições 2022
MST prepara candidaturas de mulheres lutadoras para este ano
Militantes Sem Terra de diversos estados vão concorrer para deputada, na busca por maior participação institucional

Por Cristiane Sampaio*
Do Brasil de Fato
Entre as candidaturas que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) deve lançar nas eleições deste ano, a organização prepara um conjunto de ao menos quatro concorrentes mulheres que deverão concentrar as energias da base eleitoral da entidade em alguns estados do país. Esta é a primeira vez que o movimento articula, nacionalmente, uma ampla estratégia de participação direta nas eleições estaduais e federais.
No Rio de Janeiro, uma das dirigentes nacionais do movimento será o nome da vez. Marina dos Santos teve sua pré-candidatura a deputada estadual pelo PT lançada na noite de quinta (10), em um ato político-cultural na capital fluminense.
Ela pontua que a preparação de nomes de lideranças para a atuação no cenário eleitoral não desvirtua a entidade dos seus objetivos históricos e essenciais na luta popular.
“O MST continua com o foco estratégico, que é a ocupação do latifúndio improdutivo, é fazer cumprir a Constituição [no sentido de] que aquelas terras que não cumprem a função social devem ser destinadas à reforma agrária”, pontua.
A dirigente sublinha que a organização entende como estratégico o combate às políticas instauradas e alimentadas pela gestão Bolsonaro desde 2019. O governo do ex-capitão é associado a medidas neoliberais na pauta econômica, com destaque para o arrocho trabalhista e o aumento do custo de vida, e a uma disputa ideológica que tenta orientar a sociedade brasileira para o lado do conservadorismo.

“O MST continua com o foco na estratégia da ocupação da terra, mas, a partir da leitura do retrocesso que estamos vivendo com o avanço do bolsonarismo, o MST também está se colocando à disposição no sentido de fortalecer o campo da luta institucional”, detalha.
No caso da dirigente, a candidatura será mais um ponto da jornada de décadas que ela vem sedimentando na política. Tendo conhecido o movimento ainda na década de 1980, quando atuava na Igreja Católica, ela hoje mira uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) como medida estratégica também para dar e a um projeto mais amplo de retomada popular do poder.
“Acho que a questão aqui está no sentido de enfrentar o bolsonarismo no estado onde ele nasceu [Rio de Janeiro]. Ele precisa ser enterrado aqui. Nesse sentido, eu não teria a menor dúvida de que a nossa contribuição é também de trabalhar na perspectiva de eleger um governo do estado diferente”, diz Marina dos Santos, ao criticar a gestão do atual governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).
A dirigente vê ainda a sedimentação da candidatura como um trabalho de base e articulação local para ajudar a capitalizar apoio para a eventual eleição do ex-presidente Lula (PT) para a Presidência da República. O petista aparece em primeiro lugar nas pesquisas de opinião, sendo o principal adversário do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Não vamos medir esforços pra eleição do Lula, que achamos uma tática importante, principalmente porque a gente quer fazer frente à agenda neoliberal e também garantir um bom quadro de eleição de parlamentares, seja ao nível federal, seja nas bancadas estaduais”, acrescenta Marina.
Rosa Amorim, de Pernambuco
Do Nordeste, região onde o MST conseguiu fertilizar uma luta coletiva de muitos braços e com alcance capilar, deverão sair outras três candidaturas de mulheres integrantes do movimento.
A jovem militante Rosa Amorim, de 25 anos, é uma delas e irá se filiar ao PT nesta sexta (11) para concorrer a uma vaga de deputada estadual em Pernambuco. O estado é a base onde ela cresceu e iniciou a luta política, embalada também pelos próprios pais, que são dirigentes do MST e assentados da reforma agrária.
Entre outras coisas, Rosa se juntou ao Levante Popular da Juventude na adolescência, integrou o movimento estudantil e estudou teatro na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fincando na luta pró-educação a sua principal bandeira política.
Ela aposta agora na iniciativa da campanha eleitoral como forma de ajudar a frear a conjuntura que oportunizou a chegada de Bolsonaro ao poder. “Este é um momento em que as eleições cumprem um papel central e estratégico pra disputa em sociedade dessas ideias e também do bolsonarismo”, defende.

“Por ser um dos maiores movimentos populares da América Latina e da luta por reforma agrária no mundo, o MST tem uma legitimidade. Então, por que não ocupar também esse espaço da disputa institucional por via das eleições?”, questiona Rosa.
A militante defende como uma das prioridades para a agenda política o combate à fome e a defesa da saúde por meio da promoção da alimentação saudável, um dos temas vocalizados pelo movimento mundo afora. Outros recortes também atravessam o plano de metas que Rosa pretende colocar em marcha na campanha.
Têm destaque ainda as pautas identitárias, como a defesa dos direitos das mulheres. “O ‘Fora, Bolsonaro’, por exemplo, se não for feminista, não vai sair porque as mulheres estão na linha de frente da luta contra o governo”, realça.
Vera Lúcia Barbosa, da Bahia
Na Bahia, quem deverá concentrar as atenções da base do MST nas eleições do estado é a militante Vera Lúcia Barbosa, que irá disputar uma vaga de deputada estadual pelo PT. Ela atua na região Extremo Sul do estado, onde a entidade solidificou uma série de medidas que levaram à implementação de assentamentos agroecológicos.
Vera Lúcia iniciou na organização em 1988, ainda com 16 anos e durante a terceira ocupação do MST na Bahia. Foi o princípio de uma jornada que, de lá para cá, incluiu a agem de quase 12 anos pela direção nacional do movimento, encerrada na década de 2010.
Chama a atenção no currículo da militante a atuação em defesa dos direitos das mulheres. Entre outras coisas, ela foi a primeira secretária de Políticas para Mulheres da Bahia, no governo Jacques Wagner (PT), em 2011. Para ela, a disputa por uma cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) envolve a necessidade de lutar pela efetivação de uma agenda popular.
“Aqui, na Bahia, é meio que natural o envolvimento do MST na política partidária. Já temos aqui uma trajetória que, desde o início do MST, a gente já fazia a disputa pela terra, mas ajudando sempre na organização partidária e já apontando para esse negócio de candidaturas de apoiadores do movimento e algumas, inclusive, do MST”, resgata.
Ela destaca que, em Itamaraju (BA), por exemplo, a entidade lançou um primeiro candidato à prefeitura local na década de 1990, ainda nos primórdios de sua jornada na Bahia. Entre os capítulos que vieram depois, teve destaque a eleição do assentado Valmir Assunção, hoje deputado federal pelo PT há 11 anos.

“E, antes de ele se eleger deputado federal, nós o elegemos como deputado estadual”, lembra a futura candidata, que acredita na ocupação do Poder Legislativo como via estratégica para a implementação da agenda popular. Nesse sentido, para o pleito deste ano, o MST irá apostar na dobradinha “Vera Lúcia-Valmir Assunção”, mirando um maior alcance da atuação da organização no parlamento.
Na Câmara dos Deputados, por exemplo, além de Valmir, a entidade tem atualmente outros dois deputados. São eles João Daniel (PT-SE) e Marcon (PT-RS). “Agora, a gente está entendendo que é importante ter outra figura nossa, que é a candidatura estadual, como espaço importante para reforçar a nossa luta interna e como acúmulo de forças pra ocupação de outros espaços”, diz Vera Lúcia.
Gilvânia Ferreira, do Maranhão
Também irá concorrer em outubro a militante Gilvânia Ferreira, que irá disputar vaga na Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), pelo PT do Maranhão. Nascida na Paraíba, ela tem 51 anos e dedicou 30 deles à luta pela democratização do o à terra por meio da atuação no movimento. O engajamento, que iniciou ainda na adolescência, ajudou a alimentar, nos últimos tempos, o interesse pela política institucional.
Ela antecipa que irá trabalhar com eixos temáticos na campanha, colocando como ponto de sua agenda uma série de pautas que estão sob a batuta do Poder Legislativo federal. Entre elas estão a necessidade de formalização dos territórios quilombolas que ainda enfrentam pendências e a demarcação de terras indígenas.
Também deve figurar na lista, por exemplo, o reconhecimento das áreas de reserva dos babaçuais, apontadas como patrimônio ambiental e uma das forças produtivas do Maranhão. Gilvânia cita a preocupação com o avanço de atividades econômicas predatórias que interditam a atuação de personagens populares da região.
“Isso é um patrimônio das mulheres quebradeiras de coco. Então, na medida em que se derruba o coco pra plantar soja, eucalipto ou capim pra pecuária, essas mulheres ficam sem o seu sustento porque elas não têm a propriedade da terra, mas utilizam os babaçuais pra sua sobrevivência”, afirma, ao defender a preservação legal dessas áreas.

A futura candidata também pretende colocar em pauta as questões da soberania nacional, com destaque para a soberania alimentar e o investimento na produção de alimentos. A área tem sido sufocada por políticas neoliberais que desestimularam o segmento ao longo da gestão Bolsonaro e põem em risco o fornecimento de comida no país.
“A gente tem que demandar isso pro governo federal, pra que constem no orçamento do Estado questões cruciais como a produção de alimentos, e não o foco no que o agronegócio produz. Também é preciso que se foque em alimentos saudáveis”, defende Gilvânia.
*Edição: Rodrigo Durão Coelho